10/06/2025

Guitarras elétricas e neuróticas [Sonic Youth]

 

Pop

 

A DISCOTECA

 

GUITARRAS ELÉTRICAS E NEURÓTICAS

 

Ruído, guitarras elétricas, melodias pop, paranóia urbana. A fórmula não é nova, mas ninguém como os Sonic Youth conseguiu aplicá-la com tanta eficácia. O segredo está em saber utilizá-la ao serviço de uma ideia. O novo álbum, “Goo”, dá a ideia que para a banda de Lee Ranaldo e Thurston Moore o pesadelo e a loucura não têm fim.

 


            Os Sonic Youth fazem efetivamente muito barulho. Em decibéis e no esgravatar dos cérebros e das consciências norte-americanas. São originários, como não podia deixar de ser, da cidade de Nova Iorque, “fétiche” privilegiado de todas as imagens e perversões. Encarnações de infinitas fantasias. Sonhos por vezes tornados pesadelos. A banda de Lee Ranaldo, Thurston Moore, Kim Gordon e Steve Shelley faz questão em dissecar minuciosamente as taras e os medos de uma América confrontada consigo própria, no meio de uma crise de abundância e de valores. Os temas que tratam nunca são cómodos e muito menos inocentes. Ferem, fazem mossa, inquietam, trazendo para a luz do dia o lado negro e tenebroso do “American way of life”. A religião, a violência, o sexo e a loucura são alguns dos seus temas preferidos, abordados exaustivamente ao longo da sua discografia sempre de uma forma coerente e esteticamente inovadora.

 

Ruído e Melodia

 

            Desde o álbum de estreia, “Sonic Youth”, que o som ficou definido – uma torrente ininterrupta de eletricidade, produzida pelas guitarras de Thurston Moore e Lee Ranaldo, criando o pano de fundo obsessivo sobre o qual se vão contando as histórias e delineando as melodias. São notórias algumas influências: Stooges (a voz de Iggy Pop aparece escondida entre as espiras de “Bad Moon Rising”...), MC5, Velvet Underground, Hawkwind (alusão óbvia no título “Silver rocket” de “Daydream Nation” e escute-se com atenção as progressões e linhas de baixo de “Kool thing” e “My friend Goo”, do novo álbum...) e Glenn Branca são as mais evidentes. Branca, com quem Moore chegou a tocar as suas sinfonias para orquestra de guitarras. Dos Velvets aprenderam que o ruído e a distorção nada valem se não existir o esqueleto que sustenta o caos – a melodia. Simples, direta, eficaz, construída a partir de uma sucessão imparável de “riffs” sobrepostos, num caudal sonoro monstruoso e hipnótico. Em termos exclusivamente sonoros os Sonic Youth, desde o início até “Goo”, têm progredido sobretudo em termos de apuramento de uma sonoridade cedo bem demarcada. Sem que se tenha perdido a “acidez” que caracteriza toda a sua música, há, contudo, e a partir de “Daydream Nation”, a preocupação de domesticar minimamente a fera sonora, abrindo espaço para estratégias mais subtis. Como aquelas já evidenciadas no projeto paralelo Ciccone Youth em “The Whitey Album”. Da ilustração sonora do pesadelo mergulhemos então no seu centro fantasmagórico. No sonho psicótico, colorido de sangue e humor negro.

 

Sonhos Invertidos

 

            “I dreamed a dream” era o título de uma das canções do álbum estreia, que prenunciava esse outro sonho imenso que é o duplo “Daydream Nation”, repositório exaustivo de alucinações coletivas e infinitos medos. Desde a imagética das capas à constante referência aos símbolos (de que são exemplo sintomático aqueles inscritos nos rótulos de “Daydream”, à semelhança do que fizeram os Led Zeppelin) e a conotações obscuras com o “voodoo” e outras práticas rituais, todo o universo dos Sonic Youth é um tratado de fazer inveja a mestre Freud. “Daydream Nation” é o inverso do sonho americano. Os Sonic Youth praticam o psicadelismo voltado do avesso.

            O amor (tema constante nas suas canções) é apenas sexo e este doença que se propaga como um vírus (“Touch me, I’m sick”, “single” dos S.Y./Mudhoney) para utilizarmos a metáfora do cineasta David Cronenberg, um dos polos de interesse extramusicais, partilhado pelos membros da banda. Entre o sangue e a morte, elementos inseparáveis do sexo, o “amor” é sinónimo de violência, o seu inverso – “evol”, “love” ao contrário, quase Evil, o Diabo, amigo de longa data dos Sonic Youth. “Confusion is Sex”. Charles Manson é o anti-herói satânico que personifica esta atitude. A mulher aparece nua nas capas, apenas como um corpo, objeto de assunção do poder. “Support the power of woman, use the power of man, use the word: fuck. The word is love” – como se diz em “Bad Moon Rising”. As figuras de Walt Disney da capa da “Sister”, Cinderella (“Cinderella’s big score” do novo “Goo”) e mesmo Louise Ciccone, imagens a um tempo cândidas e perversas, em que se revê grande parte da juventude americana, são monstros camuflados que escondem o lado oculto por detrás das aparências. A realidade de uma sociedade à beira da dissolução é a paranóia absoluta. “I’m insane” (de “Bad Moon Rising”), “Schizophrenia” (de “Goo”) gritam os Sonic Youth, e ao som dos gritos os putos começam a dançar. Esquizofrenia e ilusão, o real esvaziado de sentido por uma excessiva acumulação de informação, transforma-se em alucinação vertiginosa. Mensagens sem emissor nem recetor, circulando no vazio. Informação fantástica e estereográfica, transmitida via satélite “no dia em que o corpo morre”. A santidade elétrica. Ruído branco. “Stereo sanctity”, faixa de “Sister”, aludindo a “Radio free Albemuth”, versão prévia de “Valis”, obra grande de outro dos heróis dos S.Y., o escritor Philip K. Dick, esquizofrénico genial e assumido. Mundos dentro de mundos, “All comin’ from human imagination, daydreamin’ days in a daydream nation”.

 

O Som da Entropia

 

            A religião é o terceiro ponto chave da temática dos Sonic Youth. “I got a catholic block” (de “Sister”). Thurston Moore teve uma educação católica e não sabe o que lhe há-de fazer. Entre a santidade e o mal (“The good and the bad”, de “Sonic Youth”, “Cotton crown”, de “Sister”) e a crucificação (“White cross” de “Sister”), melhor é crucificar sim, mas Sean Penn (“The crucifixion of Sean Penn”, de “Evol”) e permanecer na tal santidade elétrica, branca e vazia, de “White cross” – “Stay away another sonic life”. Ou “Sonic Death”? E, mais além, o infinito, simbolizado graficamente em “Daydream Nation” e materialmente concretizado na repetição, simulacro demoníaco da eternidade, dos sons aprisionados no final de “Evol” e em cada espira, nos “instantes de ruído” de “From Here to Infinity” de Lee Ranaldo.

            Para já disponível na discoteca Contraverso, “Goo” (nome de uma rapariga da cena “punk” de L.A. em 1979 e personagem de um filme de Raymond Pettibon), ironicamente feminista, é “apenas” o capítulo mais recente dessa eterna viagem pelos confins do pesadelo americano, repetindo “ad infinitum”, de diferentes e novas maneiras, a face sempre mutável e ilusória da loucura. Os Sonic Youth continuam apostados em revelar a essência escura do psicadelismo (mesmo quando se disfarçam de “rappers” como em “Kool thing”, inspirado em LL Cool J e que conta com a participação de Chuck D. da Def Jam), disfarçados com as cores e estrelas que vestem os corpos fotografados e os sons. Astros aparentes, encobrindo buracos negros que tudo invertem e aspiram. Guitarras elétricas e nervosas. A galáxia da pop como o lugar mais perigoso do Universo. Implosão sónica. O som da entropia.

 

QUARTA-FEIRA, 11 JULHO 1990 VIDEODISCOS

João Peste & O Acidoxibordel - Groovy Noise - Dada Rock

 

Pop

 

PESTE NA CORDA BAMBA

 
JOÃO PESTE
GROOVY NOISE – DADA ROCK
Maxi, Ama Romanta



















           Não há dúvida que Peste gosta de arriscar e experimentar. Só que o experimentalismo é uma faca de dois gumes, podendo resultar em objetos esteticamente fascinantes, mas também em exercícios de pretensiosismo e de vazio. Digamos que neste seu novo disco, o músico, letrista e mentor da Ama Romanta vai de um extremo ao outro. No primeiro caso estão o segundo tema do lado A, “Cocaine, amigo” e, ligeiramente abaixo, “Clio software” que abre o segundo lado. O tema principal “Groovy noise” cumpre perfeitamente as funções que lhe foram destinadas – ser imediatamente atraente e acessível ao ouvido, sem ser vulgar e chamando a atenção para o resto das canções. É uma espécie de chamariz. O tema que em princípio fará vender o disco. O passo em falso é dado com o tema final – “Distante domingo (TL-2 Napoleon)”.

            Analisemos cada um mais detalhadamente e desde o princípio: “Groovy noise” é puro gozo, “Rádio fun fun” povoado de associações livres, “I want to be pop-a-lula in the tears of a clown” e alguns achados ao nível da produção que incluem um solo de guitarra de Jorge Ferraz (atualmente nos Santa Maria Gasolina Em Teu Ventre e inimigo declarado de Peste...) e uns toques de “scratch” da autoria de Rafael Toral. Basicamente é o velho rock ‘n’ roll coberto com a capa e o verniz modernistas.

“Cocaine, amigo” é muito boa (a canção, não a outra). Cantada em inglês, francês e português constrói a melodia a partir da música das palavras. Ambiência irreal e fonética, o cantor fazendo deslizar sonhadoramente a voz por entre os vapores inebriantes da irreal amiga e cantando “tous les mots sont des poèmes que se desfazem na minha [atenção, na ‘minha’ dele] mente”. Sucessão de imagens que, como nuvens, se desfazem ao ritmo flutuante dos ventos da imaginação. Neste tema Peste agradece a colaboração especial dos Sonic Youth, Jimi Hendrix, Butthole Surfers, Led Zeppelin, Kurt Schwitters, Almada Negreiros, Wyndham Lewis, Jean Cocteau e Pablo Neruda. Fica sempre bem um pouco de exibicionismo cultural...

            “Clio software” é outra alucinação sonora e João Peste revela-se um autêntico psicadélico. A letra refere-se à pessoa amada cujo cérebro, quando ligado ao ecrã do televisor, faz Peste “delirar com as imagens escondidas na sua mente”. Imagens de “losangos e quadrados de cores” que, afirma, “nem sabiam que existiam”. É o que faz abusar!... Trata-se de uma canção cibernética (seja lá o que isso for) que fala de “Cristo abençoando um prédio cinzento”, Coca-Cola, néons e Nova Iorque, sobre um ritmo eletrónico decalcado dos Suicide e o cantor lembrando vagamente os trejeitos vocais de Philip Oakley, dos Human League. Destaque para a intervenção de Rodrigo Amado, no saxofone. Apesar dos “encostos” o tema funciona, conseguindo criar o ambiente “Blade Runner” pretendido.

            “Distante domingo” é que se torna perfeitamente dispensável. João deixa de ser Peste para querer ser Villaret e o resultado é lamentável. O texto é declamado e enfia no mesmo saco o espírito de Rimbaud, o computador central de Helsínquia, soldados castanhos e um jacinto vermelho. Loucura controlada? Nem por isso. O “poema” não tem a força que lhe permita dispensar o apoio musical, que aqui se apaga quase completamente, afundando-se as palavras na voz monocórdica e dolente do seu autor.

Sintetizando: o maxi está muitos furos acima da produção média nacional, reiterando o que já se sabia – ser João Peste uma das personagens mais invulgares e provocadoras do nosso meio musical, capaz do melhor e do pior. Neste caso de ambos.

 

QUARTA-FEIRA, 11 JULHO 1990 VIDEODISCOS

Tango na noite [Fleetwood Mac]

 QUARTA-FEIRA, 11 JULHO 1990 local

 

Tango na noite

     ENTRE A PUREZA dos blues e o circo de multidões, foi longo o caminho percorrido pelos Fleetwood Mac, hoje sinónimo de sucesso conquistado à custa de golpes de rins e algumas concessões. Da formação inicial, constituída por Peter Green, Mick Fleetwood e John McVie, mantiveram-se os dois que lhe deram o nome – o Fleetwood e o Mac. Tornaram-se notadas as vocalistas: Christine McVie, classe e “savoir faire”; Lindsey Buckingham, um rosto bonito que passou; Stevie Nicks, loura atraente, contraponto juvenil da maior veterania da colega. As harmonias vocais tecidas pela voz de ambas são a principal atração do atual som da banda. Mas nem sempre foi assim. Há quem se lembre do antigo “hit” instrumental, “Albatross”. Ou dos bons álbuns “Kiln House”, “Future Games” e “Bare Trees”. Mas foi a partir de 1975 e do relançamento com “Fleetwood Mac” que a música se alterou profundamente, tornando-se comercialmente rentável. Vamos vê-los esta noite, num espetáculo ao vivo de 1978, Tango in the Night Live, no Cow Palace de São Francisco, e escutar alguns dos seus êxitos, como “Gipsy”, “Songbird” e “Oh Well”. O regresso das senhoras.

            Canal 1, às 14h50

À procura das raízes culturais da Europa [Encontros Musicais da Tradição Europeia]

 

cultura QUINTA-FEIRA, 5 JULHO 1990

 

Começam hoje em Évora, Famalicão e Oeiras os Encontros Musicais da Tradição Europeia

 

À procura das raízes culturais da Europa

 

À procura das raízes culturais. A partir de hoje e até dia 13, terão lugar em Évora, Famalicão e Oeiras, os primeiros Encontros Musicais da Tradição Europeia, organizados pela Cooperativa Cultural Etnia, sediada em Caminha. Da Galiza, Grã-Bretanha, Occitânia e Piemonte virão cultores de antigos sons. Paredes representará o espírito português: a fatalidade e a distância.

 

A iniciativa, que conta com o apoio das três câmaras municipais, tem como objetivo “incrementar o intercâmbio cultural no espaço europeu, com base na promoção e divulgação da música e cultura das suas grandes regiões, e fomentar o contacto entre grupos ou solistas ligados à música tradicional dessas mesmas regiões”. Pretende-se que a série de concertos passe a ter uma realização regular, sempre numa perspetiva de descentralização, procurando deste modo tornar o nosso país num ponto privilegiado de encontro entre as diversas culturas musicais europeias.

            Atuarão ao vivo, entre nós, alguns dos nomes mais importantes de cena “folk” atual, como Andrew Cronshaw, Emilio Cao, Manuel Luna, Perlinpinpin Folc, La Ciapa Rusa, para além do guitarrista português Carlos Paredes.

            Andrew Cronshaw é um músico britânico, responsável por uma original e sedutora fusão das sonoridades tradicionais com o jazz e a música clássica. Como se poderá comprovar pela audição do excelente “Till the Beast’s Returning”, álbum já há algum tempo disponível no mercado nacional. Outras obras importantes são os discos “A is for Andrew, Z is for Zither”, “Earthed in Cloud Valley” (com o guitarrista Martin Simpson), “Wade in the Flood” e o recente “The Great Dark Water”. Intérprete brilhante na cítara elétrica, estende os seus talentos por outros instrumentos – flautas chinesas, concertina, sintetizadores, percussão e o shawm, antepassado medieval do oboé.

            Emilio Cao é galego e já atuou várias vezes em Portugal, tendo colaborado com Fausto em “O Despertar dos Alquimistas” e com o grupo teatral “Os Comediantes”. Exímio executante de harpa, gravou entre outros o marco na evolução da música galega, “Fonte de Araño”. “No Manto da Auga”, “Amiga Alba e Delgada” e “Lenda da Pedra do Destiño” completam a sua atual discografia.

            Também espanhol (se considerarmos que a Galiza é Espanha, o que é duvidoso”...) é Manuel Luna, antropólogo, apaixonado pela música e cultura da região da Cantábria. Publicou vários ensaios e cerca de 30 discos de recolha etnomusicológica. Gravou com os “La Quadrilla” o álbum “Como Hablam las Sabinas”, já importado pela Etnia. A investigar são também “Em los Jardines del Sueño” e o novo “Os Galos de Londres”.

            No Sul de França, entre a Catalunha e a “Côte d’Azur”, fica a Occitânia, região natal dos Perlinpinpin Folc, um dos mais estranhos grupos do movimento folk gaulês. “Musique Traditionnelle de Gascogne”, “Gabriel Valse” e “Al Paїs d’Occitania” são alguns dos seus bons trabalhos. Sobre a sua música escreveu o crítico Pierre Corbefin: “Provoca-nos uma impressão quase opressiva, como se atravessássemos uma paisagem árida, despovoada, apenas habitada por um bater obscuro e pelos rumores da terra”.

            Os “La Ciapa Rusa” são italianos de Piemonte, a Noroeste do país. Combinam a excelência instrumental, através da utilização dos sons tradicionais da sanfona, do violino, do pífaro de pastor e da “musa” (gaita-de-foles piemontesa) com um notável trabalho de harmonias vocais.

            A representação portuguesa está a cargo de Carlos Paredes. Dele o mínimo que se poderá dizer é que é uma parcela importante da alma lusitana. Escutar a sua guitarra, contemplar o modo com se entrega a ela e à música que escorre pelos seus dedos até ao vibrar das cordas, é sentir o Fado e a distância. Ir ao sabor dos “Verdes Anos” até ao oceano sem fim.

            Uma palavra final de louvor para a Etnia que tem vindo a desenvolver um notável trabalho de recuperação e revitalização da cultura tradicional. Desde a realização de espetáculos, exposições e seminários, até à publicação de livros e à importação de pérolas discográficas folk, para já oriundas do país vizinho, como são os álbuns de Rosa Zaragoza, Amancio Prada, Manuel Luna, “La Musgana” e, brevemente, Emilio Cao.

 

PROGRAMA
 
ÉVORA – Praça do Giraldo
 
Quinta, 5 de Julho
MANUEL LUNA
PERLINPINPIN FOLC
 
Sexta, 6 de Julho
LA CIAPA RUSA
CARLOS PAREDES
 
Sábado, 7 de Julho
EMILIO CAO
ANDREW CRONSHAW
 
FAMALICÃO – Jardins da Câmara Municipal
 
Quinta, 5 de Julho
CARLOS PAREDES
ANDREW CRONSHAW
 
Sexta, 6 de Julho
MANUEL LUNA
LA CIAPA RUSA
 
Sábado, 7 de Julho
EMILIO CAO
PERLINPINPIN FOLC

OEIRAS – Auditório do Complexo Social das FA’s
 
Quinta, 5 de Julho
LA CIAPA RUSA
EMILIO CAO
 
Sexta, 6 de Julho
MANUEL LUNA
ANDREW CRONSHAW
 
Sábado, 7 de Julho
CARLOS PAREDES
PERLINPINPIN FOLC
 

UHF - Este Filme/Amélia Recruta

 
Pop
 
CONTRA OS CANHÕES
 
UHF
ESTE FILME/AMÉLIA RECRUTA
Maxi, Ed. Edisom

 
            











        Este disco prova-o. Os UHF assumem-se definitivamente como o principal grupo português de rock. Do verdadeiro, direto, descomplexado, mandando às urtigas quem neles insiste em ver D. Sebastião ou então, frustradas as tontas expetativas, uma corja de vendidos. Não são nem uma coisa nem outra. Nem se preocupam muito com isso. O novo disco é o melhor da banda, dos últimos tempos. A vários níveis. A começar pela capa, uma fotografia simulando um anúncio de filme, retratando a preto e branco uma cena de guerra. “Este Filme” e a legenda aposta – “Intenso e verdadeiro, humor... A história de um soldado”. Por baixo a respetiva ficha técnica. O cartaz, sobrepondo-se à impressão de uma entrevista a António Manuel Ribeiro. Na contracapa, um plano ampliado da mesma fotografia, nas cores da bandeira nacional.
            Quatro temas. Do lado A o já citado “Este Filme” e “Portugal dos Pequeninos”. O primeiro um tema lento e balanceado em que AMR mostra até que ponto tem evoluído como vocalista. Seguro, cantando como se tudo dependesse das palavras. Cantando-se a si próprio, como quase sempre, e ao país que a seguir retrata como o “dos pequeninos”. Este último o mais facilmente encostado ao som habitual da banda. O outro lado é excelente. “Amélia Recruta” é a canção mais forte do disco. Um “hit” inevitável, disparando rock ‘n’ roll sobre a instituição militar, com uma convicção eufórica e uma melodia irresistível. O “Rock de Cá” é uma crítica irónica e não muito feroz ao meio musical lusitano. Que, bem feitas as contas, não existe como tal.
            É também ao nível dos arranjos que a banda de Almada faz questão de afirmar a diferença. O modo como o saxofone de Renato Junior é projetado para a boca de palco, liberto em contorções furiosas, as intervenções guitarrísticas de Rui Rodrigues e Renato Gomes, este como convidado especial em “O Rock de Cá”, os teclados, imitando marimbas neste último tema, são alguns exemplos sintomáticos de que a banda de Almada não está disposta a dormir sobre os louros alcançados. Liberta de fantasmas, o povo é finalmente o único destinatário das canções e palavras do seu líder carismático, o mesmo que reconhece frontalmente serem os UHF o seu projeto a solo. Palavras e melodias para serem cantadas e assobiadas na rua pela grande massa anónima, a mesma que os levou ao lugar ímpar que ocupam, por direito próprio, no panorama musical luso. Quanto às polémicas e acusações que regularmente se levantam à sua volta, “os lobos uivam, a caravana passa”. Quer queiramos quer não, há que continuar a contar com os UHF e desde já como estes novos “argumentos e bandas sonoras” assinados por António Manuel Ribeiro e interpretados pelo “cast” UHF.
 
QUARTA-FEIRA, 4 JULHO 1990 VIDEODISCOS

09/06/2025

Orquestra da Luz [Electric Light Orchestra]

 

Pop

A DISCOTECA

 

ORQUESTRA DA LUZ

 

Jeff Lynne foi um dos inventores do conceito “pop sinfónico”, isto é, melodias engraçadas, vestidas, com pompa e circunstância, de violinos, violoncelos e, se possível, de uma orquestra sinfónica inteira. Os Electric Light Orchestra deram-lhe a fama e o proveito. Agora lançou um disco a solo, “Armchair Theatre”, gravado em casa e sem grandes truques.

 


Os Electric Light Orchestra, ou ELO, sigla pela qual são conhecidos, formaram-se em 1971, das cinzas dos Move, que nos dias derradeiros incluíam Lynne e Roy Wood, outro “sinfónico” assumido. A ideia que presidiu à formação da nova banda era dar à pop um rosto clássico, sem perder de vista a acessibilidade e sensibilidade típicas daquela. Não se tratava de juntar um grupo pop a uma orquestra (como já o haviam feito os Procol Harum, os Deep Purple e os Moody Blues), mas sim fazer um grupo à maneira de uma orquestra. A ambição era criar uma espécie de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band de trazer por casa. A tarefa era possível graças aos talentos de multi-instrumentistas da dupla Lynne/Wood, desmultiplicados em mil e um instrumentos, no processo de gravação de estúdio, no qual ambos se revelaram peritos. Além de que os dois não eram de todo incapazes quanto ao jeito para compor melodias atraentes e acessíveis.

 

Roll over Beethoven

 

            O resultado obtido traduziu-se num híbrido musical que juntava os Beatles (“Strawberry Fields Forever” e “I Am The Walrus” foram a pedra de toque do projeto ELO) e os Queen no mesmo saco. Para alguns era insuportável e pretensioso. Mas a maioria consumidora foi sensível à ideia e aos discos que foram aparecendo. Em Setembro de 1978, os ELO tocavam, no Forum de Montréal, para uma assistência de perto de um milhão de pessoas. Os álbuns, a partir do êxito maciço de “A New World Record” (1976) e, sobretudo, “Out Of The Blue” (1977), eram sistematicamente platina. Os hits sucediam-se: “10538 Overture”, “Roll over Beethoven” (um clássico de Chuck Berry), “Livin’ Thing”, “Telephone Line” ou “Mr. Blue Sky” chegaram sem dificuldades ao Top Ten de ambos os lados do Atlântico. Por alturas de “Out of the Blue”, a banda apresentava, nos espetáculos ao vivo, uma réplica gigantesca de uma nave espacial, como era figurada na capa do disco, criando um “show” de luz e efeitos visuais na linha dos “Encontros Imediatos do 3º Grau”.

            O sucesso de Lynne deve-se, em parte, à já referida capacidade de compor canções que “ficam no ouvido”, aliada ao mérito do trabalho como produtor e engenheiro de som. Lynne, como Midas, transforma tudo o que toca em ouro (e platina). Não espanta, pois, que nomes de peso, como Roy Orbinson (um dos seus ídolos), Brian Wilson, Randy Newman, Tom Petty ou, mais recentemente, George Harrison, tenham recorrido aos seus serviços.

 

Em Casa É que É Bom

 

            Chegado ao topo e à situação de “bem instalado na vida”, juntou-se à banda de reformados de The Traveling Wilburys, ao lado dos gerontes Bob Dylan, Tom Petty e George Harrison. Por fim, farto de todas as companhias, resolveu investir nele próprio a solo. Fê-lo este ano com o álbum “Armchair Theatre”. A intenção e mensagem são óbvias: “Sou o melhor!”, grita-nos ele a cada espira, garantindo-nos que valeu a pena esperar. Se valeu ou não, cabe ao auditor decidir. O álbum continua a estética e orientação ELO, embora recorrendo a outros meios. Lynne fartou-se dos brinquedos mágicos do estúdio e afirma que o melhor que há é “gravar em casa”. Sem dígitos que lhe valham. Foi numa casa antiga, do séc. XV. “A sala de controlo era a casa de jantar. O piano foi gravado no salão. As vozes num corredor. As guitarras na cozinha e a bateria numa área da casa onde, em tempos, todas as botas eram guardadas”. Então, e na casa de banho, nada? O disco, caseiro como é, agradará decerto às domésticas (sem desprimor para estas) e àqueles mais dados ao recato e ao gosto conformista. Ao longo de quase todo o disco, a voz de Lynne parece-se muito com a de George Harrison (e George aparece mesmo, mas não há confusão). Em “Nobody Home”, quer parecer-se com a de Lou Reed. E em “Don’t Say Goodbye” com a de Presley. Fica-se pelo querer. Há três clássicos, mais ou menos assassinados para parecerem mais bonitinhos: “Don’t Let Go”, de Jesse Stone, “September Song”, de Maxwell Anderson e Kurt Weill e “Stormy Weather” de Ted Koehler e Harold Arlen. Trata-se, sem dúvida, de um bom esforço, que decerto será bem recompensado. Para os saudosistas, há ainda o bónus adicional de um duplo-coletânea, “The Very Best of the Electric Light Orchestra”, reunindo todos os êxitos da banda. Para Jeff Lynne este é o ano de nenhuns perigos.

 

VIDEODISCOS QUARTA-FEIRA, 4 JULHO 1990

Palavras e sons ["Camaleão na Sombra da Noite"]

 
Livros
MÚSICA
 
PALAVRAS E SONS
 
                Título: Camaleão na Sombra da Noite
               
                Introdução e Tradução de Alexandre Vargas
                Editora: Assírio & Alvim, 1990
                117 pp.
                1200$00
             

            O título refere-se ao segundo disco a solo do antigo líder de uma das bandas mais importantes da década de Setenta – os Van Der Graaf Generator. O livro em questão apresenta uma recolha de poemas/letras de canções de músico e poeta inglês, compilados e traduzidos, em edição bilíngue, por Alexandre Vargas. Uma introdução à obra do autor, uma entrevista efetuada no nosso país aquando da visita daquele em 29 de Setembro de 85, no hotel Tivoli, uma biblio-discografia e fotografias de arquivo, completam o livrinho. Alexandre Vargas devia ter vergonha. As suas “traduções” dos textos Hammillianos ofendem o autor do imortal “A Plague of Lighthouse Keepers”. Ofendem as línguas inglesa e portuguesa por igual. Envergonham o leitor, pelo atropelo constante, não dizemos já às mais elementares regras da gramática, como aquelas bem mais elementares respeitantes ao simples bom-senso. Mesmo desculpando erros do estilo “I shine, but shining, dying”, para Vargas, “brilho, mas a brilhar a morrer”, como é possível traduzir “delight” por “luz” ou “silver” por “silva”? Está certo que, como nos diz Borges, “o inglês é uma língua em que frequentemente há duas palavras para designar a mesma coisa”. Mas tanto?  Nalguns casos o Vargas assume a sua ignorância, referindo-se por exemplo a um disco com “dupla sleeve”. Mas logo a seguir é a própria língua inglesa que é posta em cheque, pecando por paupérrima. “Ice”, gelo? Nunca! “Olhos de gelo” é que está correto. Com Alexandre Vargas a tradução livre ganha dimensões inusitadas. Logo na nota do tradutor somos avisados: “Se por um lado qualquer tradução de um texto perde alguma coisa em relação à língua em que este foi originalmente escrito, por outro alguma coisa poderá também ganhar”. Ganha e de que maneira. Não se estranhe pois que “ Doubt casts its shadow/ on every perfect plan that is made” signifique “a dúvida poisa a sua sombra/ em cada plano perfeito louco que fazemos está a morte”. Com Vargas podemos ter a certeza que “nada se perde, tudo se transforma”. Restam finalmente o prazer e o consolo proporcionados pela leitura direta dos originais. Testemunho pungente das obsessões, solidão e alucinações cósmicas de Hammill, poeta perdido nos labirintos da condição humana. De “The Least We Can Do Is Wave To Each Other” a “And Close As This”, um percurso solidário de palavras e de sons.
 
 
LEITURAS TERÇA-FEIRA, 3 JULHO 1990